quinta-feira, outubro 29, 2009

Passos na areia


Ela andava pela praia sem direção, segurava os sapatos e sentia a areia entrar pelos dedos. Respirava fundo o cheiro de mar. Se pegava testando as possibilidades de sensações. Cheirar a maresia, tocar na areia, cantar ao vento, olhar o céu, ouvir as ondas batendo. Até que o novo se tornou costume e seus pensamentos voltaram à aquilo que era difícil acostumar-se. A rejeição. Na verdade, era um tanto quanto dramático o termo, pois não havia sido rejeitada, houve apenas uma impossibilidade de realização. Ele nunca a havia maltratado, nunca havia dito algo que a machucasse e nunca a havia negado. Talvez, no fundo, ela que se rejeitava.


Estava ali na praia do Leblon, mas dentro dela os caminhos se confundiam. Tudo estava zoneado. Precisava se perder nos passos para se encontrar na vida? Besteira. Isso só acontece em poesia, em coisa bonita de ver. Ela nem era tão bonita assim. Chegava ser intragável conviver com ela mesma algumas vezes. Era uma mulher complicada, nunca seria verdadeiramente amada. Culpava-se por não o ter conseguido, desistia dele e de si.


Parou. Olhou o mar e lembrou-se da coca-cola. Ela só bebia suco de laranja e ele bebia coca no café da manhã, ele era mesmo uma coisa. Desafiava todo o lado que ela conhecia nela, ele destruiu todas as teses que tinha por si mesma. Ela não sabia mais nada. Sabia só que andava tendo uns modos confusos que não sabiam quando despertar, aonde começar, muito menos a hora de fluírem.


Ela mal sabia o que falar, todos os livros, filmes e músicas, todos os episódios do FRIENDS e tudo que sabia sobre o renascimento e iluminismo adiantavam pra que? Ansiedade e timidez a sabotavam de uma maneira tão cruel. E, mesmo assim, ele às vezes prestava atenção nos seus papos tão repetitivos e clichês.
Por que essa irônica crueldade? Poderia facilitar os processos sendo um bossal, mas, não era. E a dor inchava, dor doída mesmo.


Espiritualmente se sentia sozinha e tão cheia. Tão necessitada de gritar. Foi à beira do mar e gritou. Ficou menos pesada, mas, ainda guardava um bolo na garganta. Iemanjá não quis receber todo desabafo.
Lembrava dos fatos não vividos, daquela musica nunca cantada, daquele papo sobre as viagens que fariam, do andar de bicicleta domingo a tarde, dos chocantes beijos no meio da rua, dos apelidos bobos, das caretas ao acordarem...


Voltava do futuro imperfeito para um presente bem pior. Continuou seu caminho incerto, começou a cantar. Música, lágrima e o bolo iam sendo levados com o vento, nisso um pouco de si ressuscitava junto com o céu que clareava.


Não demorou, veio o sol. Sorriu. Voltou a se achar bela e a enxergar a poesia. Nada havia mudado, ela ainda era noite de lua cheia, mas acreditou que, quando não mais insistisse, sua luz voltaria e tudo poderia começar.

sábado, outubro 24, 2009

Pinga!

Pinga! Pinga! Pinga!
Maldita goteira.
Agonia! Agonia!
Palavra pra rima: Pia.
Maldita pia.

Pinga! Pinga! Pinga!
E os pingos caem
Pela casa saem.
Chegam ao quarto.
Meu quarto!

Loucura? Loucura!!
Maldita torneira.
Fecha porta, liga o som.
Ela continua.

Pinga! Pinga! Pinga!
Ainda resta o registro.
Arrasto-me lívida.
Roem-se meus nervos.

Tudo em vão.
Pinga! Pinga! Pinga!
Alguém sabe uma mandinga?
Não sinto e surto.

Espatifa-se uma bica.
E antes que aleluia diga.
O Chuá Chuá começa.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Taurina

Mesmo que na terra flor se plante, para mim, é um tanto quanto frustrante, a ter no meu mapa tão errante.


Elemento imóvel da minha natureza.


Terra que puxa sonhos e planos pro chão firme e que risca a palavra “arrisca” de seu vocábulo tão limitado e redondo. Elemento que tem muito a descobrir de si e se aflige, e tal como o planeta do universo “terremota” quando algo, um meteoro talvez, o atinge. Nela, se muitas vezes um fruto planta, enjoa e desencanta. Desespera-se e busca logo outro. E se o destino novo não der certo, não por azar, vira deserto.


Terra que acaba por conservar, proteger, cuidar de um solo dentro de mim que se vicia em deixar brotar tudo aquilo que sabe que bom fruto virará. E insiste em encontrar a harmonia, mas nunca há harmonia o bastante para satisfazer.


Não é de todo um caso perdido. Só faço ao universo-guia um pedido, me faça desgarrar desse campo contido e no ar me deixar encontrar aquilo que pousado não consigo.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Da janela minha:

Da janela do 11º andar num prédio da Oswaldo cruz, encontro o êxtase mais suave, a liberdade de ser e olhar. Nos cantos dos olhos tem a baía. O mar. Mergulho de longe, a ansiedade passou. É festa, é onda.

Em baixo da sacada: o verde. Privilégio de ver as árvores de cima. Ouço Vininha querendo cheiro de amor da morena-flor. - Ah, como queria um cheiro do moreno! - Por enquanto, contento-me com o cheiro de verde.

Agradeço aos céus de braços abertos pro universo e a delicadeza azul-clara se joga na alma minha. Como as pessoas na rua se esquecem de olhar o céu? Coitadas...

E diante da orquestra que renasce em mim, canto: Sem você o que ia ser de mim
Eu ia ficar tão triste. Tudo ia ser tão ruim”

sexta-feira, outubro 09, 2009

Praça Saens Peña

Hoje em pleno momento de fobia social no meio da praça Saens Peña, me dei conta do quanto gente me irrita às vezes. Principalmente quando estão em massa.

Eu sou uma pessoa do bem. Juro. Mesmo assim, se eu andasse armada, não confiaria.

Começou com o papo de vizinha fofoqueira da mulher que sentou do meu lado no ônibus. - O 410 tem sina de só pegar figuras bizarras – eu entrei por acidente, sou completamente 409. – A tal mulher contou tanta desgraça que o Jornal Nacional deveria contratá-la. Programa da Márcia (não que eu veja!!) é cosquinha perto das coisas que ela falava. Daria IBOPE até para a Band.

O motorista do ônibus era um daqueles que gritavam e cuspiam para fora da janela e – de sacanagem – não deixou um cara aleijado entrar. Quase saltei do ônibus, percebi que me encontrava no Catumbi e não estava afim de apreciar o cemitério.

Sai do ônibus com uma cara de Hitler errustido. Comecei a praticar um mantra interno, a pensar na Julie Andrews cantando “a few of my favorite things”. Pouco adiantou. Estava na Saens Peña e nem se Gandhi baixasse em mim, eu ficaria bem.

Quando, de sem querer, esbarrei numa senhora, ela fez a questão de jogar com o olhar toda sua frustração por não fazer sexo desde 1951.

Fui cantada por um camelô, que em resposta ao “princeesa” recebeu o meu mais potente olhar metralhador e - como o inferno não é o limite - retrucou com um “relaxa, nein”. Senti minhas veias ficarem altas. Dançando sapateado para desviar dos outros vendedores ambulantes, continuei no (árduo) caminho até meu lar (doce lar).

Como era atalho para minha rua, passei pela galeria das “Casas Bahia”. Devo ser mazoquista. Um cara berrando as promoções IMPERDÍVEIS – essa palavra ainda ecoa na minha cabeça - , uns coitados econômicos e a reunião de todos os asilos da América Latina estavam ali. DETESTO as Casas Bahia.

Na rua, ícones que davam vontade de surtar me perseguiam. Era uma conspiração. Os semi-aleijados que trancavam a rua, me fazendo perseguir canelas freneticamente. A garota de top e shortinho que era modelo de celulite “casca de laranja” e de banhas saltitantes desfilando. E aquela multidão de caras ranzinzas. Bateu uma overdose de vontade de socar um.

E o mendigo da minha rua – que até gosto por conhecê-lo desde que nasci – me seguiu até o fim da saga cantando pagode.

Casa! Minha casa. Comida de ante-ontem na geladeira. Minha mãe de TPM. Quarto bagunçado. Internet lenta. Comecei a rir. Meu sistema psicótico começou a fluir. Comecei a perseguir as formiguinhas da mesa e a ouvir Wagner.

Talvez, Woody me entenderia. Juro que preciso entrar na Ioga! Agora vou tomar um Rivotril.

segunda-feira, outubro 05, 2009

LUA


Bela dama que pelo negro céu sua presença esparrama

Sensata guia dos aspirantes – incuráveis românticos – a amantes.

Reflete na baía e contrasta na noite imensa que cai o dia.

Astro iluminado que inspira poetas luminosos que lhe louvam talvez, por não estar na mesma forma toda vez – porque sendo uma lua esperta sabes que sendo igual à ninguém desperta.

Cheia para uivar o lobo, ou então, o irmão de sete irmãs que por azar nasceu moço. Cheia para aos apaixonados atentar e para o cabelo da nêga evitar.

Confiante, pois mesmo em dia de sol deslumbrante, não esconde de nós seu semblante. E continua no céu a ilustrar.

Protegida por São Jorge e protetora dos devotos (e simpatizantes) do santo. E para tristes almas empresta seu manto e, dessa forma, a cor da esperança já é branco.