sexta-feira, setembro 24, 2010

Compaixão

Nos seus pensamentos ele a traía.
A traía com tanta sinceridade
que até a própria vaidade
de tanta, começava a engordar
Que a própria vontade
não se bastava por continuar
Que a própria descrência
- eterna insatisfação-
não exitava em o pertubar
Que a existência
não sabia se queria procriar.

Por isso a amava com tanta mentira,
com tanta mesmice, com tanta rotina.

sábado, setembro 18, 2010

Subindo

Henrique, 22 anos, faculdade publica de engenharia, áries.
Rafaela, 19 anos, faculdade publica de cinema, cabelos vermelhos, touro.
Prédio: São salvador. Bairro: Flamengo. Tempo: chuvoso. Mês: setembro. Hora: 22:46

Rafaela tinha acabado de sair do curso de italiano, quando cruzou com Henrique na portaria do prédio, que voltava do estágio na Vale. Rafaela teve vontade de lembrar a ele de quando foi lhe mostrar o patinete que tinha ganhado quando eles tinham por volta dos 10 anos, mas, desde a adolescência que não se falavam. Aos 15 anos, ele deixou de ser o príncipe encantado da menina Rafaela que estava virando mulher e se apaixonando por homens com ombros mais largos que os de Henrique e que também ouviam “Nirvana” e usavam calças coloridas alternativas.
Esperavam juntos o elevador, os dois agiam engraçadamente educados, parecia que nunca haviam tomado banho de mangueira no play do prédio.
Henrique puxou o assunto, perguntou se ela estava gostando da Uff.

- É meio fora de mão, Niterói não tem nada haver com o que eu gosto de fazer... Mas, é uma ótima faculdade, sou apaixonada por essa área.
- Cinema, né?
- É. Você... Engenharia na UERJ?
- Isso.
- E o pessoal lá? É gente boa?
- Muito, muito...
- Há...

Os dois se olharam, ainda tímidos. Estava chovendo muito, 20 de setembro, à meia-noite se iniciava a primavera e parecia até uma chuva de verão, porém mais longa e menos cheirosa. Entraram, finalmente, no elevador.

- Décimo terceiro, né? – ela disse.
- Isso. 1302.
- Claro.
- O seu é o nono?
- 902.
- Claro.

As luzes do elevador começaram a piscar.

- É, parece que hoje vai ser dia de ficar no escuro.
- Tomara que a gente saia daqui antes disso.

Foi Rafaela falar, que o destino conspirou na contra-mão das palavras dela. O elevador para à meia-luz.

- Que língua hein – diz Henrique num tom de brincadeira.
- Não acredito nisso.
- Pode inspirar para você escrever algum curta ou coisa assim.
- É, mas...Elevador é uma coisa tão clichê, Hique.
- Hique?
- Desculpa, foi... ah... natural. – ela ri desajeitado
- Há muito tempo que ninguém me chama assim
- Nossa, isso foi muito solto. Lembra quando eu te chamava de Hiquepopotamo. Você era tão gordinho.
- Eu te chamava de Rafaguela, por você não calar a boca com suas histórias. Você tinha uma nova a cada dia... E nem fazia questão de dar um sentido a elas.
- Você caia direitinho em todas elas...
- Eu gostava da maneira que você contava, era tão detalhista... Só que nunca ficava quieta... Sempre alguma coisa precisava ser falada...
- Ah, haha, eu era muito fofa.
- Era sim.
(silêncio. Os dois ficam se olhando e fingindo não se olhar)
- Você me chamou de Rafabela também, uma vez.
- Num dia que você tava chorando, eu lembro disso... O que tinha acontecido naquele dia? Você chegou a me contar?
- Acho que eu tinha brigado lá em casa.
- Quando a gente parou de se falar?
- Não sei, adolescência. Por que a gente parou?
- Sei lá, eu achava que você não queria mais
- Você sempre me achou maluca, né.
- Você pintoua o cabelo de azul e começou a andar com camisões do Led Zeppelin
- Você parou de falar comigo antes disso, tenho certeza.
- Como você tem certeza?
- Eu tinha uma quedinha por você. Tinha uns 13 anos e você me ignorava, me achava tão inferior à você que ficava na minha.
- Inferior, Rafa?
- É. Você era meio meu ídolo, sabe.
- E depois você começou a gostar de Led Zeppelin e ter como ídolo o Kurt Cobain.
- É. Fazer o que...

Os dois ficam mudos, se olham e desviam o olhar algumas vezes.

- A gente não pode mais ficar sem se falar... – Diz Henrique
- Não mesmo.

Se calam de novo. Ela faz um carinho brincando no rosto dele e fala:

- Acho que a gente vai ter que interfonar por Seu Edson tentar tirar a gente daqui.
- É.
- Se quiser, um dia desses, a gente pode jogar WAR.
- Você chora quando eu ganho de você, não dá certo, Rafabela.
- Só que, você vai ver, quem vai ganhar de você agora sou eu.
- Ta desafiado, então.

As luzes começam a piscar e o elevador faz um barulho que dá indícios de que está voltando a funcionar.

- Aparece lá em casa mesmo, Rafa.
- Sim, prometo. Adoro esses momentos nostálgicos. São inspiradores...
- Não são clichês demais para uma cineasta de cabelos vermelhos?
- Nunca.

O elevador volta a funcionar. Chega o nono andar, quando Rafaela sai, os dois se abraçam forte e se mantém com as mãos dadas conforme vão ficando distante o bastante para estas se soltarem.
Ao chegar em casa os dois pensam na infância e no porquê de nunca mais terem tido uma conversa como a que haviam acabado de ter.
A luz apaga de novo. Alguns minutos depois, na porta de Rafaela tem alguém batendo. É Henrique:

- Acabou a luz aqui também?
- Hoje é dia de ficar no escuro, Hique.

domingo, setembro 12, 2010

Setembros

Era setembro, o ano não importa qual, década de 90.
Só importa mesmo que era setembro, quase primavera, e ele saiu de casa.

Saiu batendo a porta, com um xingamento preso na garganta e chorando.
Para ela, vê-lo chorando era ainda pior do que ver seu pai naquele mesmo estado. Os homens da sua vida, aqueles que a mais fizeram sofrer e que a fizeram fazer outros homens sofrerem, eram os únicos que a destruíam, a colocavam em estado desesperador, quando choravam.
Ele foi embora daquela forma.
Vieram outros meses e anos, mas setembros nunca mais foram os mesmos depois daquele. E olha, que houveram verões que a faziam jurar que a próxima primavera seria diferente. Nunca foi. Por mais que novos amores e decepções ocorressem no seu correr pela vida, o sentimento era o mesmo e a dor ainda estava lá quando setembro chegava.

Antes do fim da relação, haviam comprado um cachorro. O “filho” dos novos apaixonados do bairro do Cosme Velho. Mais um labrador chocolate para preencher as calçadas do bairro. Setembro era o nome dele, em comemoração ao setembro de dois anos passados quando se conheceram. Pensaram em colocar “Forrest” por ter sido o primeiro filme que viram juntos, a primeira vez que ela havia visto ele chorar. A segunda vez foi no enterro do avô dela, que ele gostava muito. Ela se lembra de estar tão feliz e emocionada pela emoção dele, que não ficou tão triste com a morte do avô. As outras vezes que ele chorou – e ela lembrava de todas – foram causadas por músicas deles dois, ou filmes deles dois, ou imagens deles dois.

Voltando a falar de Setembro, o cachorro, quando ele morreu, em algum ano do novo século, parecia que dentro dela duas sensações lutavam, uma era a carta de alforria daquela relação e de tudo que setembro representava, a outra um vazio que muito maior que 30 dias de cada ano da vida dela.
Foi, ironicamente, a última vez que ela chorou.
Não havia liberdade maior, não havia tristeza mais devastadora. Nem mesmo a arte, que tanto a encantava, a emocionava a ponto de chorar. Na verdade, evitava os filmes de drama e as músicas que lhe lembrassem dele ou da infância.

O presente, ela pensava, havia de ser sua motivação. Tinha um filho, peixes e uma relação ótima com o ex-marido, a angustiava muito aquele passado sem mais frutos a destruir tanto. Havia se separado do ex-marido em abril e este passava como um mês qualquer, gostava dos frutos de outono. Ela podia ser bonita em abril, já em setembro por mais que quisesse nunca se achava bonita e era inevitável ela não cismar que o iria encontrar em algum setembro ainda. Evitava sair de casa nos dias em que estava pior, não queria nem pensar se ele a visse em mau-estado.

Quando o pai morreu, em dezembro de algum ano, ela o convidou para o enterro. Ele mandou flores para sua mãe e seus sentimentos para família, mas, não foi. Ela o esperou até mesmo depois do enterro, sentia que era dele que ela precisava. Ele gostava tanto de seu pai e ela queria tanto vê-lo chorar de novo. Até hoje, ela se sente mal quando deseja que alguém mais em comum aos dois morra, mas, pensa que quem sabe assim eles se veriam de novo, fora ou em setembro, mas que ela o visse chorando.

terça-feira, setembro 07, 2010

Cândida

Cândida chegou em casa, tirou o casaco, e antes que as bochechas cessassem o corado do rosto – fruto do calor da cidade do Rio – colocou seu disco preferido para tocar.
Guy Lombardo. A música: “you’re driving me crazy”.
A vitrola parecia entender que Cândida queria música, Cândida sempre queria alguma música, e espertamente, a vitrola fiacava colocada em frente a porta principal do outro lado da sala, perto das escadas. Chegava de casa ou descia as escadas que davam pro quarto e lá estava seu objeto preferido, pronto para ser aproveitado.
Guy Lombardo era só para os dias especiais. Aquela quarta-feira era especial. As bochechas, mesmo com a água gelada e os suspiros profundos, não deixavam o tom avermelhado. Cândida abusava do estado similar ao seu nome e da combinação perfeita dos tons da bochecha com seu novo colar de pérolas, que fazia questão de usar em dias como aquela quarta-feira.

Seu pensamento era apenas um: “You’re driving me crazy” – com todo seu mau inglês. Aquela música que ela tanto ouvia sozinha e tanto queria alguém para dedicar. Havia conseguido o que tanto queria, se sentir louca – novamente – por alguém.
Cândida dançava sozinha. Sentia-se como Cid Charisse. Sentia-se Celly Campello. Sentia-se a mulher mais sortuda de todo mundo, não havia filme de Hollywood que pudesse mostrar tamanho amor, Doris Day que lhe perdoasse.
Enquanto repetia a música mais feliz e grande em si se sentia. Tudo fazia sentido. A vida era a coincidência mais linda, seu vestido era o mais leve e seu sorriso lhe transportava às lembranças boas dos primeiros amores. Todos os amores que haviam passado por ela, haviam, finalmente, sido curados. Não havia mais peso, auto-piedade ou dúvidas corriqueiras.
O mundo era simples e divido em dois: Pré e pós “You’re driving me crazy”

“Ah, cândida...” repetia para si mesmo toda vez que lembrava da cena.
Ela passava em frente à praça, seu objetivo – depois esquecido – era comprar um bolo de coco. Avistou-o na sorveteria, ele estava com os amigos, com o topete e um sorriso que a fez querer um sorvete de morango. “Duas bolas, por favor”
Ficou parada, sozinha, no balcão. Quando ele a viu, ela logo acenou. (Sua ansiedade sempre foi uma característica que a deixava louca. Era incontrolável.) Ele sorriu e, bem devagar, deu um aceno. Dalí em diante, seu rosto cadê vez mais ficava corado diante dos indícios de reciprocidade que ele lhe dava. O aceno, o chamado para ela se juntar ao grupo, a piadinha sobre seu cabelo chanel, o pé dele que durante exatos 8 minutos e 46 segundos se manteve colado ao dela, o beijo no rosto mais demorado que o de costume e a oferta de deixá-la em casa, que ela recusou, pois queria se posicionar e não dar mais bandeiras de que estava perdidamente apaixonada por ele.

Ainda tocava “you’re driving me crazy”, era a sétima ou oitava vez. Foi quando aquele sentimento todo começou a se transformar no medo. Medos apareciam involuntariamente. Quando nunca o tivera era fácil, só planejava, sonhava, brincava com suas próprias fantasias. O sonho era muito menos sofrível. Essa chance de realização, logo a deixou com medo, medo de perder o conquistado, medo dele não lembrar do que ela disse, do sorvete que ela pediu. Medo ainda mais agoniante de toda aquele momento, que ela a cada vez que passava em sua cabeça lembrava de mais um detalhe, se perdesse da mente dele. Medo de que ele não gostasse tanto de Guy Lombardo.

Abriu os botões da blusa, apertou os olhos e decidiu-se: da próxima vez, peço sorvete de nozes. O resto não havia como resolver naquele momento e a doce Cândida, mesmo que perdida em seus medos e juventude, sabia disso e dançava.