sexta-feira, dezembro 16, 2011

Um conto de um possível amor

 Ela - Oi!
Ele - Oi!?
Ela - Você não sabe quem eu sou, né?
Ele - Desculpe, mas não...
Ela- Tudo bem! É que eu te vi entrando aqui e...
Ele- Você me conhece?
Ela- Ainda não. Na verdade, eu até poderia te conhecer, acabar te conhecendo, mas a gente é muito tímido né...
Ele- É, sou de Peixes.
Ela- Imaginei.
Ele- Mas, e ai? A gente não vai se falar?
Ela- Não. Só por aqui. E aqui é inventado. Tem alguém escrevendo essas falas.
Ele- Que pena. Porque eu gostei de você.
Ela- É! Eu sei! E a gente ia acabar se gostando mais e mais... Eu vi isso pela sua blusa, é uma frase do Drummond, né?
Ele- É sim. Meu preferido.
Ela- Meu preferido.
Ele- E tem como a gente saber disso?
Ela- Não. A gente vai se olhar mais umas duas vezes, até que eu ou você vamos jurar calados que qualquer coisa entre nós seria impossível. Iremos arrumar desculpas para nossa covardia. Quem sabe você pode ser um homem-bomba e eu com certeza teria um filho pequeno... Nós vamos achar algum problema, é fato, e nunca mais vamos nos ver... Só vamos imaginar como teria sido...
Ele- E como teria sido?
Ela- Iríamos tomar um café, e eu não comeria nada. Você iria insistir para pagar a conta, mesmo sabendo que ia ficar no vermelho.  Daríamos uma volta e até trocamos telefone, só que você demoraria para me ligar... uns dois dias... E eu que já tava desacreditada ao olhar a sua ligação perdida numa quinta a noite, planejo um fim de semana inteiro e te ligo.
Ele- Dai a gente se vê, vai num bar. Depois de desbancar a barreira de timidez que se instala nos primeiros quinze minutos, vamos descobrir algo em comum, tipo a frase do Drummond e  desencadearemos numa conversa sobre existência, infância, Pokemon, meu cabelo na sexta série e seu apelido na sétima... Seria demais!
Ela- E no final, sem saber direito o que eu to fazendo, eu te tasco um beijo e morro por dentro sem saber direito o que pensar do que você está pensando sobre mim! Ai que loucura!
Ele - Te ligo, assim que chego em casa! Para dizer que você esqueceu a sua carteira comigo e que inevitavelmente teremos que nos ver amanhã.
Ela- Eu vou dormir repetindo a frase do Drummond e com a música do Smiths na minha cabeça, aquela que você adora e eu também. Deus existe! A vida, a vida é muito bacana! "See the luck I had, could make a good man turn bad, so please, please, please..."
Ele-"Let me get what I want this time..."
Ela- Dai a gente se vê e se vê cada vez mais. Viramos confidentes e trocamos músicas e implicâncias como nenhum casal já visto.
Ele- Até rimos da nossa falta de coragem inicial por  não termos nos falarmos naquele dia no museu mais rápido.
Ela- Rimos tanto um do outro, que a paixão nunca passa.
Ele- Eu até penso em casar. Eu. Eu que só queria escrever sobre o amor.
Ela- E casa, meu amor, casa!
Ele- Filhos?
Ela- Luiza e Igor. Lindos, ela a cara do pai e ele com o temperamento inteirinho da mãe. Moramos bem, numa casa boa, graças ao seu livro que vendeu muito, que você dedica à mim.
Ele- Por que isso não pode acontecer mesmo?
Ela- Peixes, né? Tímido que dói. E eu sou tão negativa, acho que nada vai dar certo para mim.
Ele- Dá tempo ainda?
Ela- Não dá mais tempo. Ela tem que ir embora. Eu.
Ele- E o nome? Pelo menos o nome.
Ela- Não dá. Já foi.
Ele- E vai acabar assim?
Ela- Sei lá...
Ele- E se eu escrevesse um conto? E dedicasse à ela? A menina de cabelo castanho chanel e de olhos azuis pálidos que foi no Moreira Salles às seis da tarde nessa quarta.
Ela- Você já escreveu. Olha ai em cima.
Ele- Você vai ler?
Ela- De sem querer. E cabe ao destino o resto, né?
Ele- Eu me chamo Antônio. Uso cachecol e tenho cabelo preto. Agora você vai saber.
Ela- Acaba o conto com a frase do Drummond.
Ele- Boa! Boa! Frase ao meu bem desconhecido: "Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo" - Carlos Drummond de Andrade.