terça-feira, dezembro 23, 2014

to indo.

ô tia célia. feliz natal também. tá tudo bem sim. to indo pra bahia. e com você tia célia tudo bo. legal. que bom. me conta. já falou essa história já mas pode repetir tia. a gente se vê tão pouco e você me deu mais um peso de papel só porque sabe que eu sou a neta da tania que gosta de escrever. isso é bem querido. ah tia, ok que a gente não usa mais quase papel, mas você parou no tempo e só quer saber de repetir suas histórias. e eu até gosto de ouvir porque você tem um cheiro bom. daqueles que cavalgam no tempo e nos levam para as férias do começo desse novo século e milênio lá em secretário. mas que legal tia que você já passou pela bahia de carro e não quis voltar em salvador por conta do cheiro de xixi. tia, eu to indo. e não há nada que me faça mudar de ideia. pode me contar outra história. mas deixa eu só te falar umas coisas que eu jamais falaria para tia regina. porque essa coisa de fim de ano mexe muito com a gente e traz aquela mania de dar forma a tudo na vida transformando banalidades em acontecimentos e eles em resultados do tipo bom ou ruim de um ano x. só que essa matemática é tão errada quanto a firmeza das suas mãos um tanto quanto e cada vez mais trêmulas. mas tia to indo pra bahia para fugir um pouco da cidade bem doida que a gente vive e só pra perder essa mania de sempre esticar o pescoço na procura de um rosto conhecido. essa coisa praça são salvador. que é aqui no rio. mas pode também ter cheiro de mijo. eu to indo tia porque preciso afogar um pouco essa coisa minha de querer fazer mais e agarrar o mundo e cismar em encaixar toda vontade desejo e dever num tempo que quando a gente vê já foi. e to indo pra Bahia pra esquecer da mesmice, de um loirinho bonito, do amigo coxinha, dos preços altos, da corrupção e nesse vício de violência que a gente mergulha sem querer. e indo pra depois voltar, espero sentir falta dos amores que contaminam os cantos do rio. to indo pra bahia e lá prometi que não vai ter timeline. linha do tempo, tia célia, um espaço em que você junta tudo o que você tem e quer dizer e mostrar com o que os outros tem e querem mostrar, mas que no final acaba te fazendo ter menos coisa pra pensar ou mostrar. é bem louco. tia, to indo e vou bem no 24 do natal. fiquei empolgada com a coisa de ser de esquerda e resolvi brincar com as tradições. mas juro que vou sentir falta da vó um pouco alta de vinho branco tentando puxar o pai nosso enquanto o vô conta alguma história engraçada de algum parente que já morreu. e talvez eu tenha um sonho esquisito de que parente querido deveria morrer deitado numa rede depois de almoçar um bom peixe e colocar o pé no mar. não, você, não, tia. você não vai morrer ou pelo menos não antes que a tia regina. tia, já vou deixar você falar, o pavê tá na mesa e daqui a pouco tem aquele tio que em qualquer lugar do mundo que fale português manda a piada. mas talvez na bahia, lá onde eu vou, e to indo, juro, seja diferente. porque é lá onde os novos baianos cantaram minha carne é de carnaval, meu coração é igual. e é. cada vez mais. bom natal, tia. a gente se vê ano que vem com as mesmas histórias, disputando rabanada, não se esqueça de mim, não se perca de mim, não desapareça e talvez, quem sabe, você me dê mais um peso de papel, que eu adorei obrigada. me fala de você, antes que eu vá porque eu to indo.

segunda-feira, novembro 10, 2014

Kenji. (ou um texto para Spike Jonze)

Um robô programado para sentir qualquer tipo de emoção humana não conseguiu suportar sentir o amor. Chamaram ele de Kenji assim que deram o “on”. Depois de alguns dias de absoluto sucesso, sendo o primeiro que poderia representar o fim da dependência sentimental que ainda obriga o convívio e a tolerância entre um humano e outro. Kenji decepcionou a pratica indústria do combate a solidão. Tomado por algum tipo de surto sentimental que circulou nas suas entranhas de metal, o Kenji tentou prender a pesquisadora na sala em que os dois passavam o tempo juntos e onde ela testava e avaliava as emoções dele. Pois, privado de qualquer outro contato íntimo com outro ser (humano ou máquina), ele tinha doses diárias de atenção da pesquisadora e admirável psicóloga. Os dois passaram a última primavera conversando e ela ensinava a ele as noções básicas das relações. Kenji, na sua fragilidade de máquina, não resistiu e se deixou levar pelas próprias emoções matematicamente programadas. Impediu a doutora de sair da sala – assim como qualquer mocinha romântica dos filmes em branco e preto - e começou a rosnar palavras cujo sentido extrapolava qualquer sentido, assustando-a. Kenji não entendeu como depois de tanto tentarem descobrir o mundo juntos, a psicóloga tinha coragem de sair e deixa-lo. Na hora marcada. Dando um beijo na testa. Na testa gelada e com expressões limitadas de Kenji. Kenji tentou impedir e dotado desse doido sentimento de sucata e bites quase se transformou em bicho. Uma equipe, a mesma que o construiu, incentivou e aparafusou, teve que desliga-lo, puuf, e a psicóloga passa bem obrigada. 


Baseado na notícia abaixo e em algum filme do Spike Jonze.

http://tecnologia.terra.com.br/robos/robo-programado-para-amar-tem-quotataque-obsessivoquot,2208ea1f807ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html

segunda-feira, outubro 20, 2014

Ode a pequenez.

O mundo
transborda
em mim. Respiro

um amor
que dilata
com a retina.
Sou Deus.

Meu templo é
o tempo
e o espaço. Única
como qualquer
estrela. Sou todo
o universo quando
me sinto ínfima
diante de toda beleza.

Gigante toda vez que me vejo do tamanho de um grão de arroz.

quarta-feira, outubro 08, 2014

bacana sua festa

tem sempre uma festa bacana acontecendo numa casa bacana num bairro bacana dessa cidade bacana que é a Zona Sul. Nessa festa bacana claro que o som é bacana, a luz é bacana, assim como as bebidas caras e as bebidas baratas são bacanas e todas as drogas que são bacanas demais. E só tem gente bacana falando de coisa bacana, com um passado bacana composto por viagens bacanas, uma família bacana e que volta e meia planejam juntos uma viagem bacana para Minas Gerais. E até as suas angústias são bacanas e com certeza terão um futuro bacana e criarão filhos bacanas pois juntarão com pessoas ainda mais bacanas dos que as quais se relacionaram em tempos atrás. Hoje só usam roupas bacanas, só tiram fotos bacanas e tem legendas tão bacanas que bombam nas redes sociais.

segunda-feira, setembro 22, 2014

brilho mudo

mini enredos
torço dedos
crio mundos
brilho mudo
numa multidão que me perde de você

acaricio meios fios
atropelo meros ciclos
circulo dedos nos meus seios
retomo surda pele em pelos
numa situação que me foge de você

conquisto solos
barganho prêmios
fuso meu horário
sinto que sufoco (ou o contrário)
numa onda que me inunda de você

mergulho em cada quase abraço
me engulo fumo traço
espero num querer ingrato
nada é fato
nu em você.

quinta-feira, setembro 18, 2014

grandes revelações

da vida
cada vez sei menos
dos amores
só sei que prefiro morenos.

terça-feira, setembro 09, 2014

ilusão

achei que tinha visto
você na rua hoje,
mas virei a cara
e bati - por conseguinte -
com a cabeça num poste.

a grande ironia é que
antes de me recuperar
só via você nas projeções
que passavam dentro
dos meus pensamentos tontos
como um caminhão
carregado da única coisa
que restava da minha lucidez.

(junto com aqueles passarinhos
de desenho animado
que giram em torno da cabeça
quando a gente se machuca)

segunda-feira, setembro 08, 2014

Sobre um filho da Puta

Ai... que música linda... me lembra... ai ai

Ooh baby love, my baby love 
I need ya, oh how I need ya. 
But all you do is treat me bad 
Break my heart and leave me sad...

Tell me, what did I do wrong... 

To make you... OPA! PERA! Esse cara é um filho da puta.

sexta-feira, agosto 22, 2014

Só queria um diálogo vadio - capítulo três

Clarice e Fred

F – Clarice!
C – Oi..
F – Você tá parecendo alguém...
C – Quem?
F – Aquela atriz talvez.
C – Quem?
F – A Patrícia Poeta.
C – Ela não é atriz...
F – Pilar. Patrícia Pilar.
C – Ela é loira...
F – Clarice!
C – Anh, Fred...
F – Clarice, a gente pode conversar depois sobre aquilo?
C – O que, Fred?
F – Aquele dia.

Acho que a Ana fica reparando demais em mim. Será que ela tem tesão em mim? Saco. Tenho que dar atenção pro Fred, ele tá precisando de ajuda...

F – Eu não queria te enfiar naquela situação;
C – Relaxa, Fred. Já resolvemos isso da outra vez.
F – Mas parece que alguma coisa ficou sem resolver.
C – Fred, já provou o quiche da Denise?
F – Quem é Denise?
C – A namorada do Vi...
F – Ah, sei. Tá ótimo o empadão.
C – Quichê.


Fred fala de modo completamente apressado e sem firmeza. Ele sempre foi assim. Conhecemos ele quando o apelido dele era Poeira. Cheirador de poeira.

F - Eu to te devendo algum dinheir?
C - Não precisa se preocupar, ok? Aproveita a noite. Adorei que você fez a barba, você deveria sempre fazer a barba. Fica ótimo assim, sem barba.

terça-feira, agosto 19, 2014

Só queria um diálogo vadio - capítulo dois

Ana e Clarice

A- Ai, que susto, Clarice!

C- Tava aonde?

A – Fui falar com o Calé.

C – Vem comigo no banheiro?

A – Claro.

Acho normal duas mulheres irem ao banheiro juntas. É cultural praticamente. Mulheres vão ao banheiro juntas. Mas existia algo forçado na Clarice ao querer que eu fosse ao banheiro com ela. Não que nós não fossemos íntimas. Éramos íntimas. Escolhíamos fazer matérias na faculdade só para ficarmos juntas e sair pra beber depois, essas coisas. Só que esse ritual de banheiro não fluía com ela. Parecia que ela queria que eu fosse lá e que eu visse ela nua. Porque até quando tinha cabine, ela fazia questão de fazer xixi com a porta meio aberta e se enxugar quase que de pé, abrindo a porta. Achava aquilo estranho. Ela sempre puxava assunto “só para mulheres” comigo depois disso, reforçando que ela gostava e tinha fortes opiniões sobre homens.

C – O que houve com o Calé?

A – Nada. Acho que o pai dele que não tá bem.

C – Por que?

A – Não sei. Ele não quis contar.

C – Deve ser invenção do Calé. Ele adora fazer esses rituais deprês para depois beber e dizer que nós mudamos muito e que blablabla que bom que a nossa amizade resiste. Enfim. En-te-diaaante.

Clarice adora cantar palavras. Clarice e eu entramos no banheiro.

C – Eu acho o Calé muito auto destrutivo. A gente ficava uma época, lembra?

A – Aham.

C – Pois é. Eu achava uma coisa muito estranha. Ele não queria transar toda vez que a gente saia. Muitas vezes a gente só saia pra conversar mesmo. Como se ele ignorasse que a gente já tivesse ficado.

Ela abre a calça.

C- Ou que ele já tinha enfiado o pau dele em mim antes.

Clarice olhou pra mim como se eu fosse reprovar o modo dela falar.

A – Relaxa, amiga.

C - Po, então,um saco.

Ela abaixa a calcinha, ainda em pé e se olha rapidamente no espelho.

C – Ficamos muito distantes desde aquele tempo. É uma droga quem não sabe manter a amizade depois de ter transado. Acho o Calé bonito.

A – É. Mas é o Calé né.

O xixi começa a cair na privada. Eu transaria com o Calé. Eu transaria com o Calé e a Clarice juntos. Mesmo sabendo dos riscos da nossa amizade depois.

C – Ele manda bem.

A – Eu transaria com ele.

C – Ainda dá tempo.

Sobe a calcinha. Olha o bumbum no espelho.

C – Ai, ainda tá.

A – O que?

C – Roxo.  Levei uma mordida bem aqui.

Afunda o dedo no bumbum direito.

A – Tá ficando com alguém?

C – Ninguém em especial. Aquelas histórias que eu arrumo pra minha vida sempre.

A – Pelo menos é divertido.

Ela sobe a calça, mas não fecha o zíper.

C – É.

Um silêncio. O barulho da água da pia caindo.

A – Vamos?

C – Tá com pressa?

A – Quero comer o quiche da Denise.

C – E o que você achou dela?

A – Achei ela muito divertida. Tem o humor que combina com o Vitor. Acho que ela vai fazer bem a ele.

C – O Vitor não tem jeito,  Ana.

A – Todos nós temos.

Eu sinto que a Clarice tem um pouco de incomodo com a minha calma e esperança nas pessoas. Ela é mais explosiva.

C – Deus te ouça. Ou Buda, Alah, qual é o Deus da India?

Ela fecha o zíper.


A – Vamos?

C - Sim, senhoooora.

Clarice canta a palavra de novo.

sexta-feira, agosto 15, 2014

Só queria um diálogo vadio - capítulo um

Calé e Ana

Eu tenho inveja de quem entende o tempo do outro. O tempo, o timing. Numa conversa, não importa qual o nível de intimidade, mal eu mando a minha sentença e já começo a pensar no que vem depois. Não dá nem jeito de ouvir direito o que alguém tem pra me falar. Até numa mesa cheia a única relação que tenho é a minha comigo mesmo. Num jogo de eterna atração e repulsa. Gosto mais de mim quando vejo os outros sorrirem e me detesto quando mato um assunto por falar como quem vomita as referências de uma vida.

 - Calé?

 - Oi.

 - Ta ai quieto, sozinho, por que?

 - Ta só distraído.

 - Pensando em que?

 ( ) meu pai ( ) trabalho ( ) Na Ebóla na África. ( ) No frio da noite

 - No meu pai.

 - Ele tá bem?

 - Tá.

 - Hum.

 - Velho.

 - É. Eles envelhecem. É uma droga.

 - Mas ele tá bem. Tem memória, caminha no calçadão, come Becel. Tá bem.

Que idiota! "Come Becel". Ela não vai entender a ironia do "come Becel", ela só vai te achar entediante por ter falado isso.

- Foi irônico.

 - O que?

 - O comentário da Becel.

 - O que foi irônico?

 - Como se "comendo Becel" garantisse ao meu pai uma velhice melhor.

 - O que tem de irônico nisso? Acho que não é ironia... 

- Então vamos discutir "figuras de linguagem", Ana.

Eu sou entediante. Prazer, Calé, o entediante.

 - Eu vou voltar pra sala, Calé.

 - Já to indo lá.

 - É por causa do sal da margarina?

 - Que, Ana?

 - A ironia. Você falar que seu pai come Becel e por isso é um velho saudável. Quando, na verdade, Becel ainda tem gordura e sal para entupir as artérias dele.

 Ana ri. Eu lembro de Ana pelas fotos que ela colocou no facebook quando estava na India. A viagem que mudou a vida dela. Ela estava muito bonita nas fotos e, sem dúvidas, voltou diferente. Mais espiritualizada. Mas eu ainda tinha esperança de resgatar uma velha coisa da versão da Ana que conheci. Ele se via evoluindo, eu a via tornando-se aquele tipo de mãe que coloca o filho num colégio em que os próprios pais participam da educação. Essas invenções "cool" para formar um novo ser "cool" que perpetue seu DNA. De merda.

 - Não, Ana. Não foi essa a ironia.

 - Ah não?

 - Não. A ironia consiste em imaginar que a velhice pode ser melhor dependendo da droga que você coloca no seu pão. Ok. Ok. Não foi uma boa ironia.

 - Ah. Acho que entendi agora.

- Que bom. Acho que não íamos conseguir nos entender.

 Ana fez uma expressão de compaixão típica das pessoas espiritualizadas. Quando ela percebeu que eu percebi aquela expressão, conseguiu ainda piorar aquele momento bizarro, batendo a mão nas minhas costas como quem diz "um dia você vai sair dessa e lembrar desse momento com um sorriso no rosto".

 - Ana, aquelas suas fotos da Índia eram incríveis. Você deveria fazer um curso de fotografia.

 - É. Um dia tomo vergonha na cara e faço.

 - Boa.

 - Vou pra lá, Calé. Ainda não comi o quichê da Denise.

 - Quem?

 - A namorada do Vitor.

 - Ah.

 - Que cara é essa?

 - Não acha que ela é legal e bonita demais pro Vitor?

 - Calé, Calé, o Vitor gosta tanto de você...

 - Eu também gosto dele. Infelizmente isso não faz ele ser mais bonito ou legal.

 Vitor e eu em 2003 comemos a mesma puta em Buenos Aires. Éramos esse tipo de amigos. Hoje é diferente. É como se a única coisa que eu pudesse falar de Vitor é que ele é um comedor de putas.

 - Você não vem mesmo? To indo.

 No pé de Ana que sai da varanda, eu repasso a conversa toda que tivemos na minha cabeça como um ritual de sadomasoquismo. Seria muito mais proveitoso para os meus amigos se eu me tornasse um clone da quiche da Denise por exemplo. Ou um poste para Ana estacionar sua bicicleta quando fosse buscar a filha no colégio hare-hare.

sexta-feira, julho 18, 2014

crise dos 45.

foi quando um passageiro no meio do voo noturno acordou
ouviu um barulho estranho e lembrou do medo que já tinha tido
antes de parar de ter, depois que se acostumou com sua movimentada
rotina. olhou logo para a passageira do lado que dormia profundamente
e sentiu falta dos sonos profundos. Não conseguia dormir bem desde dos
dezesseis anos, quando roubou um walkman da loja de departamento do
shopping perto do colégio. Sonhava que seria preso, torturado, esconjurado, 
vaiado, abandonado, escorraçado. mas, sem dúvidas, essa é outra história.
O barulho se juntou ao chacoalhar cada vez mais incômodo que se dava 
no avião.Não tardou para as luzes de emergência acenderem com o aviso
de "coloque o cinto". Tinha medo do fim. Morrer daquela forma sem levar ninguém
querido junto. Morrer sozinho, levar a mãe às lágrimas, o filho ao abandono, ser 
esquecido, o mundo que sempre insiste em continuar. Com ou sem ele.
Spielberg, Mozart, Napoleão. Homens que ficariam para história. E o Mozart
que morreu tão cedo, tão mais novo que ele. Filho da puta. Filho da puta do Mozart.
Estava suado. As mãos tremiam. A aeromoça, disfarçando o pânico, o ajudou com
o cinto e o lembrou como eram as instruções da máscara de oxigênio.
A outra aeromoça, de cabelos vermelhos, bebia um gole de champanhe. Nessas
horas deviam distribuir champanhe de graça a todos os passageiros à bordo.
Aviso do piloto. Zona turbulenta. Luzes que piscam. Passageira do lado que acorda e 
logo começa a rezar. Lembra que quando as coisas chegam nesse ponto em
filme americano é que em boa coisa não vai resultar. Dali pra frente é só
desespero. Crianças que choram. Quando tinha medo de avião costumava 
confiar que avião com bastante criança tinha menos chance de cair. Caso 
existisse algum tipo de Deus (Deuses) regendo o Universo. Rezava junto com sua 
nova amiga, cúmplice, confidente, a passageira do lado que continha no canto da
boca aquela baba branca que sobra dos sonos profundos. Ficou com nojo e meio 
puto com a falta de sutileza dos acontecimentos últimos de sua vida.
O velho cardíaco que teve convulsão, a criança chorando, dois homens se 
batendo e batendo boca, mulheres desesperadas. O avião parecia um corpo de uma 
mulher. De braços abertos. Uma mulher apaixonante que driblava o ar
quando passava. Sólida e imponente. Complexa e confusa. Gritava internamente.
Uma mulher correta, persistente, firme e frágil.Tão frágil que não resistia
à um simples defeito no motor principal. Coisa que só saberiam depois
de achar a caixa preta. Latinhas de coca-cola rolavam pelo chão. Pegou uma bebeu
entre a reza do Pai Nosso. Pai nosso. Abre a Latinha. que estais no céu, santificado.
Primeiro gole. Seja o Vosso nome. Seja feita. Dá alguns goles e continua a reza 
pelos pensamentos. Perdoai as nossas ofensas. Assim como nos perdoamos 
a quem nos tem. Arrota. Ofendido. Não nos deixeis cair. As máscaras de oxigênio caem.
Os gritos histéricos não fazem mais efeito. Se mantem sentado. Em tentação.
Os gritos histéricos não fazem mais efeito. Se mantem sentado. Em tentação.
Mas livrai-nos. Os últimos segundos. A respiração ofegante que chupa todo o oxigênio
possível, como se aquele O2 fosse salvá-lo do mal. Amém. Os últimos segundos
dentro do corpo de uma mulher. Chacoalhava dentro do corpo de uma mulher,
enquanto a coca cola descia em sua garganta. Ocupava sua laringe ou faringe. 
Os últimos segundos. E quando estava bem perto de gozar



https://www.youtube.com/watch?v=nPbxIT9W1AY

sexta-feira, julho 11, 2014

foi o quentão

hoje sonhei 
que estava em Moscou
mas estava mesmo
dando pê tê
na festa junina

sábado, julho 05, 2014

feijão no pote de sorvete

domingo quatro e tal e aquela coisa de algumas horas que te fazem achar que está experimentando enfim a solidão e dai escuta um agudo e breve barulho no celular e apesar da ( ) preguiça ( ) ressaca ( ) possibilidade de acabar de ver o episódio da série com o cara do Beleza Americana não consegue ignorar e se envergonha da própria ansiedade tão pouco madura e não acha o celular e o sangue para de correr por breves segundos de "estou perdendo alguma coisa" e você tenta relembrar seus últimos passos com o aparelho 10x sem juros e mistura isso a tentativas de prever o seu futuro que está na mão daquela mensagem e um comercial de banco vem à sua cabeça com as coisas que você poderria ter feito mas não fez e você tem certeza que faltou todas as festas em que estava seu verdadeiro amor e filosofa já que é inverno que o mundo moderno não dá chance para um neo Garcia Marquez surgir com essas coisa de todo mundo se comunicando o tempo inteiro e nisso você já tem mil oportunidades e respostas diferentes sendo formatadas na cabeça e você lembra que o dia que termina já já lá fora estava tão sem graça e talvez só seja a Laura falando da série que viu ou a minha mãe com aquelas mensagens sem for mata, c~ao correta e embaixo da almofada no quarto da Nilsinha a diarista tá o aparelho que guarda após os 4 dígitos da senha o teu futuro e como ele foi parar lá não importa mas a Nilsinha vive reclamando que deixo tudo jogado e "ai tá bom Nilsinha" e você abre o celular e o número é desconhecido e rostos palpitam na sua cabeça em forma de roleta e a setinha gira enquanto você abre a caixa de entrada que nem naquele programa que passava no SBT de madrugada e que a Nilsinha via aquele "Fantasia" era só a TIM.

quinta-feira, julho 03, 2014

sem coração

a arte

de cultivar

ódios platônicos











.odeio 
mas sem dar bandeira.

segunda-feira, junho 30, 2014

Abrigo.

Resolveu sair de lá. Sem saber muito bem pra onde. Pensou bem no que levar e no espaço que sobrou na mochila jeans surrada jogou o que cabia ainda do antigo mundo. Talvez fosse, em algum momento, sentir falta de alguma coisa. Do gosto do salame ou do jogo do flamengo. Mas não agora. Agora era ela, pra valer e mais nada. Já era bastante coisa, embora valesse menos que um cavalo premiado, a cotação do dólar ou uma mega sena acumulada. Foi.  Sem saber muito bem pra onde. Aproveitou os últimos instantes em que participava daquele movimento de segundo, minuto, hora, dia, fôlego, obra, leito. O tempo, e toda sua majestade, disputava com ela certo poder. Decidiu que não seria mais mera participante. Os segundos nunca mais passariam iguais. Pensou em desistir. Se jogar debaixo da cama e ficar até os medos passarem. Era mais fácil quando era criança. Tá. Talvez não fosse. Mas passou e ela sobreviveu e bem. Colecionou discos, não teve cáries, conquistou bons amigos e já sabia diferenciar vinhos. Pensando assim talvez ainda tenha como ficar..  Foi-se. Sem saber muito bem pra onde. Molhou os dedos com a saliva e seguiu o vento e seguiu voando. Venceu o medo e largou o pé dessa terra. foi embora e talvez pra sempre e quem quisesse que a acompanhasse. Não agora. Agora, só precisava da solidão. Na solidão retornaria a imensidão que perdeu em algum canto de si. Precisava de quilômetros de si, só. Precisava ficar mais próxima do que realmente importa. Por alguns meses viraria só expectadora, só um olho a mais pras lembranças se fazerem, intensa espiã de toda aquela zona. Só uma fiel observadora da obra divina que era a vida, que era ela vestida de azul, que era o mar e toda imensidão, que era tudo agora tão calmo. Só.  Foi pra lá, nem avisou a vó, nem a tia. Foi tentar entender a coisa toda, pra amar em campos grandes, pra abrir a percepção, pra voltar a apaixonar-se por detalhes e milagres. Só distanciou-se pra ver melhor, abrir olho e encarar aquela orquestra esquizofrênica que era o mundo, em paz. e chegou lá. Lá, sem saber muito bem onde . e entendeu mais um pouco de tudo. Quanto mais longe ia, mais se enchia de toda aquela vida que ficava pra trás. E subiu ao topo, conquistou seu espaço. Foi para a Lua. Sim, a esfera enorme e branca que nunca a desabrigaria.

quinta-feira, junho 26, 2014

poderia ter sido uma das orelhas

tava andando meio cambaleante
disseram que tinha que eu tinha que me encontrar.
dai obedeci. E fui tentar me achar por inteira

.achei depois de muito procurar
mão, pé, cabeça, tronco, rim, pulmão
memórias, traumas, medos, saudades
persisti mais e acabei reencontrando
pescoço, junta, calcanhar, olhos, boca
sorrisos, desejos, vaidades e cheiros.

nada importante.

e percebi que só queria mesmo achar a minha
parte que deixei em algum canto exilado de mim

e que agora deve fazer parte de você.
que faça bom uso.

domingo, junho 08, 2014

Pianíssimo

se eu pudesse congelar o tempo. talvez parasse alguns minutos. mesmo. para conseguir respirar. subtrair oxigênio do universo e depois devolver. me retificar animal. parar somente. desaprumar. deixar. desandar. como uma música que toca no piano diversas vezes, diversas vezes, diversas vezes, diversas vezes, diversas vezes, diversas vezes e num momento ela para.

e o silêncio se faz ouvido. e eu me reencontro comigo. oi. oi. tudo bem. tudo. quanto tempo! achei que nunca mais fosse te ver! mas eu sempre estive aqui tão perto. mas e o caos. o caos? é o caos da cidade. da tua vizinhança. da tua voz insegura. dos teus beijos espalhados por ai. o caos. o caos da tua respiração ofegante na nuca de alguém que nunca te disse nada que te fizesse sentir importante. o caos da tua realidade que você cisma em misturar com os seus, os nossos sonhos antigos. o caos que te faz tão bonita. achei que nunca mais fosse te encontrar.

nem eu
mas ó
sou eu todo esse caos.
mas só dá para ver bem com o tempo parado assim.
e se ele voltar a correr?

ai eu já não sei mais. vou ter que arrumar um modo algum momento de saber. organizar. fugir. romper. crescer. tá ai a raiz de todo esse desencontro forçado. é culpa de deus que me escapou em algum momento e toda aquela certeza e sentido ficou sem lugar para ir. penso em pintar quadros todos os dias. mas ainda não comprei as tintas, nem a tela. fico à toa. penso muito no cara. penso muito. penso. e o tempo passa sobre mim, sem nem pensar se eu quero.

só que a música. aquela do piano volta a tocar.

e a gente tem que seguir nela. talvez o truque seja dançar. dançar. estender os sentidos. alcançar a infinitude. se desgrudar de si. tornar-se projeção do seu próprio espirito. perder o tempo, deixar ele sair pelas mãos. encontrar contigo de novo.

você que é eu. e que eu sinto tanta falta. e que eu procuro no olhar dele. o cara. identificar. essa partícula perdida.  esse nó do mundo. essa coisa toda que já já vai ser.

segunda-feira, maio 19, 2014

somente só

já passam das seis da manhã

ando sozinha acho cigarro ainda no bolso

ando sozinha

fumo o cigarro

o dia já tá criando sua cor

gradualmente mas bem depressa

nem se sente se afoga nessa coisa toda colorida da cidade

a minha presença destoa

na minha cabeça

o sol que invadia há pouco o céu também

eu bem tava lá assistindo

e agora sou assistida pela gente morena que já levantou a feira de domingo colorida

sou enorme em mim mesma

pareço estrangeira

sou ainda a mesma

mas também sou outra

e ele voltou de viagem quase que esqueço

de contar que ele voltou de viagem

e a cidade agora volta a girar

os carros passam os dias nascem crianças acordam os pais

com ele mais perto que eu quase esqueço

de mim a mesma

mas já sendo outra.

para que ninguém me esqueça

e talvez ele me leve junto

na próxima partida

segunda-feira, abril 21, 2014

dispensada

se
penso
logo 
existo
logo
se 
penso
devagar
existo 
mais 
ainda



segunda-feira, março 31, 2014

abriu

pode ir
embora
eu
gostaria
que
ficasse


um mês todo
se despede
mas
não se desprende
encarnando-se
na purpurina
que pretende
sair
mas nunca sai.





quinta-feira, janeiro 30, 2014

me acostumei com seu rosto

na cama . as primeiras luzes que flagro da manhã insistem em escapar pela cortina que se move com o vento. não quero pensar em nada. deve ser culpa da música bonita que toca no piano no vizinho há alguns dias nessa hora da manhã. mas eu penso de maneira emocional um tanto contida enquanto demoro para acordar que nem um adeus que já tá tão adiado que se perdeu no meio de uma história que já não tem nem um final pra ir. sigo assim esperando que um de nós se levante e feche a cortina mas a gente já cansou disso. me bate uma baita tristeza que ecoa na maneira em que me vejo tomando banho para sair. lavo meu corpo sem graça nu. cobro de te dar um beijo que demonstre ainda certa languidez e compromisso e no fundo um perdido mofado “queria ficar mais um pouco aqui com você”. confesso que já confundo a quem dedicar a música. que reflete tão íntima em mim. dai acordo todo dia com um cara diferente. só que você que ocupa o lugar deles do meu lado da vida e fico com uma certa raiva num agudo que eu suavizaria se fosse o vizinho e entendesse de piano. só que a música engata terna e serena e assim não dá para ficar muito tempo furioso. bate então saudade, dó, pena, falta, culpa, dó, todo tipo de sentimento que se deixa prolongar por quatro minutos e dois dias e meio e talvez anos dessa forma. bate o discreto desejo melancólico de que o vizinho volte a tocar simply red e que eu descobrisse novamente numa manhã de quarta que você. no fundo. você gosta de simply red e ai! meu! deus! eu riria de você sem nenhuma dificuldade e antes de ir pro trabalho eu só mostraria a minha língua sem beijo nem nada a gente já sabe que em pouco tempo estaremos juntos de novo ate que acabe o mundo o tempo o som o beijo o sexo o símbolo o adeus o não o posso o não posso. mas essa música triste não dá mais. te beijo. e vou embora. desculpa porque volto. como sempre. até que um dia não mais e é isso mesmo o resto é invenção e música.

segunda-feira, janeiro 13, 2014

dois lados.

é tiro
e queda
essa coisa de Domingo.

Se faz sol
não tem por que ser triste.

Se faz chuva
não tem por que mentir.