ô tia célia. feliz natal também.
tá tudo bem sim. to indo pra bahia. e com você tia célia tudo bo. legal. que
bom. me conta. já falou essa história já mas pode repetir tia. a gente se vê
tão pouco e você me deu mais um peso de papel só porque sabe que eu sou a neta
da tania que gosta de escrever. isso é bem querido. ah tia, ok que a gente não usa
mais quase papel, mas você parou no tempo e só quer saber de repetir suas
histórias. e eu até gosto de ouvir porque você tem um cheiro bom. daqueles que
cavalgam no tempo e nos levam para as férias do começo desse novo século e
milênio lá em secretário. mas que legal tia que você já passou pela bahia de
carro e não quis voltar em salvador por conta do cheiro de xixi. tia, eu to
indo. e não há nada que me faça mudar de ideia. pode me contar outra história. mas
deixa eu só te falar umas coisas que eu jamais falaria para tia regina. porque
essa coisa de fim de ano mexe muito com a gente e traz aquela mania de dar
forma a tudo na vida transformando banalidades em acontecimentos e eles em
resultados do tipo bom ou ruim de um ano x. só que essa matemática é tão errada
quanto a firmeza das suas mãos um tanto quanto e cada vez mais trêmulas. mas
tia to indo pra bahia para fugir um pouco da cidade bem doida que a gente vive e
só pra perder essa mania de sempre esticar o pescoço na procura de um rosto
conhecido. essa coisa praça são salvador. que é aqui no rio. mas pode também
ter cheiro de mijo. eu to indo tia porque preciso afogar um pouco essa coisa
minha de querer fazer mais e agarrar o mundo e cismar em encaixar toda vontade
desejo e dever num tempo que quando a gente vê já foi. e to indo pra Bahia pra
esquecer da mesmice, de um loirinho bonito, do amigo coxinha, dos preços altos,
da corrupção e nesse vício de violência que a gente mergulha sem querer. e indo
pra depois voltar, espero sentir falta dos amores que contaminam os cantos do
rio. to indo pra bahia e lá prometi que não vai ter timeline. linha do tempo,
tia célia, um espaço em que você junta tudo o que você tem e quer dizer e
mostrar com o que os outros tem e querem mostrar, mas que no final acaba te
fazendo ter menos coisa pra pensar ou mostrar. é bem louco. tia, to indo e vou
bem no 24 do natal. fiquei empolgada com a coisa de ser de esquerda e resolvi
brincar com as tradições. mas juro que vou sentir falta da vó um pouco alta de
vinho branco tentando puxar o pai nosso enquanto o vô conta alguma história
engraçada de algum parente que já morreu. e talvez eu tenha um sonho esquisito
de que parente querido deveria morrer deitado numa rede depois de almoçar um
bom peixe e colocar o pé no mar. não, você, não, tia. você não vai morrer ou
pelo menos não antes que a tia regina. tia, já vou deixar você falar, o pavê tá
na mesa e daqui a pouco tem aquele tio que em qualquer lugar do mundo que fale
português manda a piada. mas talvez na bahia, lá onde eu vou, e to indo, juro,
seja diferente. porque é lá onde os novos baianos cantaram minha carne é de
carnaval, meu coração é igual. e é. cada vez mais. bom natal, tia. a gente se
vê ano que vem com as mesmas histórias, disputando rabanada, não se esqueça de
mim, não se perca de mim, não desapareça e talvez, quem sabe, você me dê mais
um peso de papel, que eu adorei obrigada. me fala de você, antes que eu vá
porque eu to indo.