quarta-feira, janeiro 28, 2015

poeta burro

existiu um poeta
que fez versos tão humanos
que eles pegaram gripe
e morreram no sus.

domingo, janeiro 25, 2015

esse ano tudo vai ser diferente

depois de mandar mensagens para todos os grupos de whatsap e ouvir músicas do alt-j só porque eu sei que você escuta alt-j, eu saio de casa, deixando algum filme parado no meio, à caminho
daqueles bares que tem sempre gente conhecida e que foi um prazer em conhecer, mas,
hoje em dia é até entediante a coisa de puxar assunto e resgatar piadas sem intimidade
e insistir que de um encontro casual saia uma prometida amizade que alguma bebida
nos fez acreditar. mas eu fui.
porque moro em botafogo e botafogo sempre tem alguém por perto que te convence a subir santa e como lá tem jazz ou samba penso que por acidente posso te encontrar. e alguém que me
conhece pouco diz que eu estou bebendo muito e eu fico me achando meio idiota por
rir de gente que dança ou beija esquisito. você não tá lá. é. e eu rio como se você
estivesse. como se eu tivesse um cúmplice para rir de coisa sem humor aparente.
mas nãotenho. não hoje. droga que só descubro isso quando já to na lapa
e já são mais de duas e eu já sei que na lapa a dispersão e o calor são inevitáveis. e para não parecer
angustiada, tento parecer local e finjo ser solta e dou papo pra um gringo que não para
de falar. tenho andado bastante. cada vez mais. odeio gastar dinheiro com ônibus.
cada vez mais. na são salvador tudo já tá morrendo. mas dizem que a esperança.
bem. a minha é praticamente highlander. ainda me sobram piadinhas e os
amigos fumaram maconha demais para entender. meus olhos cismam
 em te ver a todo canto. como uma assombração ou um milagre.
gasto dinheiro com táxi. penso que a vida é puro desencontro,
contradição e, nessa cidade, ainda é bastante cara. a
bandeira é dois. vou me mudar pra um bangalô
num canto da serra. sempre achei que bangalô
era algo charmoso. só não sei como não
desisto se estou tão cansada. acho que
é porque ainda tenho poucas certezas
como quando chegar em casa é só
misturar o leite condensado com
nescau que eu vou ter
brigadeiro.

segunda-feira, janeiro 12, 2015

um par de chinelos azul claro

Sheila acorda como se estivesse tomando um susto. Mas foi simplesmente o ar, na verdade a falta dele nesse calor da cidade que parece não ter mais fim. Ainda assustada, mas voltando a ter consciência e percebendo que o dia começou, Sheila começa a apalpar os pés no chão procurando com a ponta do dedão suas havaianas azul claro com marca de pé preto que dão a entender que Sheila e as havaianas tem uma relação de cumplicidade instaurada há tempos. A havaiana não está lá e Sheila tem mais um susto o que é bem desagradável para quem ainda nem acordou direito. Sheila procura nos cantos da casa e até na casa do gato e nada. E depois pensa mais e nada. Uma bomba explode e mata alguns em algum lugar no oriente segundo o noticiário que passa na tv alta do vizinho. E ao agachar-se no chão, Sheila sente o peso do mundo, a bunda mais murcha, uma vontade imensa de simplesmente dar um “crtl” mais alguma letra, “l” ou “f”, para achar seu par de chinelos de todo dia. A sensação de que tudo é perda nessa vida se instaura em Sheila e ela sente vontade de matar o gato pra sofrer tudo de uma vez só. O gato na mesma hora percebe e sai correndo, se escondendo atrás da geladeira, aonde passará as próximas horas com a barriga pra cima. Se bem que o “ctrl + z” seria de uma utilidade incrível na sua vida de seis anos pra cá, pensa Sheila. Mas isso já é outra história, não adianta chorar o leite derramado. Bola pra frente diria sua avó Leilinha do sul. E na verdade se tivesse o tal “crtl + z”, Sheila voltaria para o ventre de sua mãe e tentaria ver se ela mudava de ideia ao escolher seu nome. Sheila não era um nome que tinha a ver com ela. Magra, cabelos castanhos lisos, olhos castanhos, designer e aluna de pilates. Só o nome Sheila ocupava mais espaço e ambição que a própria Sheila tinha tido na vida. As sandálias estavam embaixo do sofá e ela não sabia como tinham parado lá, o que era angustiante. Ficou tentando lembrar dos passos do dia anterior, enquanto ia tomar um banho. Correu para abrir o celular, os pés molhados sob as havaianas. Sua mãe fez um whatsap e fazia questão de mandar um BOM DIA todo dia às 07h da manhã, mesmo sabendo que Sheila só acordava depois das 9h. O que incomodava Sheila, pois queria que a mãe pensasse que ela levava uma vida saudável, assertiva, e as 8h já estava tomando um expresso. Então assim que acordava ou quase isso, ela abria o celular só para a mãe ver a última hora que ela entrou. Mesmo que ela nunca respondesse a mãe na esperança de um dia aquelas mensagens desaparecerem de sua rotina. Sabia que a mãe não ia parar e o dia que ela não recebesse BOM DIA, más notícias viriam no lugar. Colocou a roupa. Uma calça larga bege e uma blusa branca. Foi pendurar a calcinha no varal dos fundos e deu de cara com a empregada da vizinha. A empregada da vizinha trazia a Sheila uma vontade louca de trepar. Era como se ela visse que Sheila não transava muito e nem muito bem e Sheila olhasse pra ela querendo mostrar que, no fundo, já tinha dado no hallzinho da lixeira ou numa escadaria na lapa. Mas não tinha. E a empregada da vizinha dormia sabendo disso. Sheila foi pro quarto ver uma roupa nova e tocava em si como se estivesse teclando num tablet sem o mínimo de convicção. Obviamente se sentiu patética e manteve a roupa e a pose de quem não precisa provar a ninguém já transou com caras nojentos em situações nojentas. ok. Pegou as coisas e certificou-se de que havia deixado as havaianas no local de sempre. Quase saiu, mas voltou. Disfarçando ir buscar alguma coisa e fazendo questão que ninguém percebesse, beijou lambido cada parte do par de chinelo azul clarinho. Mais tranquila, saiu de casa.